segunda-feira, 7 de julho de 2014

De uma alma (gorda) para outra

Faz uns dias que tive uma experiência antropológica e inédita na minha vida: fui a um mercado de produtos orgânicos, naturais, politicamente corretos, saudáveis e todo adjetivo que ainda couber no seu entendimento para "comida que faz bem".

Lógico que vim escrever sobre como me senti. Mas antes quero te situar: sou Lídia, carnívora (eu sei, eu sei que o ser humano é onívoro), magra (pelo menos aparento ser) e carinhosamente apelidada (pela minha amiga Melissa) de Barbie Caminhoneira. Isso significa que gosto muito de comer e que tenho pouquíssimas restrições - que se referem somente a gosto individual, não a algum tipo de intolerância ou alergia. Alma gorda, sabe como é?

Aconteceu que, mais uma vez, eu e o Acklei nos propusemos a melhorar a qualidade daquilo que ingerimos (no quesito nutricional, tá? porque o vinho que bebemos é de muita qualidade, assim como a carne, o bacon e o doce de leite que comemos) e cuidar melhor da nossa saúde. Aliás, aqui começa a parte antropológica, porque nunca antes na tv brasileira minha vida tive tanto papo de velho com meus amigos. Dores e doenças, trocas de indicações de médicos, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, confissões sobre atividade física e o quanto esta faz bem às articulações, receitas de comida magra... Ah, pois é. Receitas. Comida magra. Lá fui eu ao Mercado São Jorge, tão recomendado por muitos queridos.

O lugar é bem legal! Pude me divertir bastante com meus pensamentos quase pecaminosos sobre a comida que encontrei. Não é que eu não leve a sério a minha saúde, mas é que foi tão diferente pra mim encontrar os ingredientes do mundo fit ao vivo, ver que eles existem mesmo, que me senti numa espécie de Disney! Por exemplo, o ovo caipira não tem nada de mais, a não ser a descrição nas letras pequenas da caixinha (gosto de ler bulas, manuais e letras muídas em caixinhas): "ovos de galinhas criadas em ambiente livre, inclusive com poleiros que imitam a vida na fazenda, alimentadas naturalmente, sem adição de hormônios". Cara, que galinhas felizes! Diz pra mim que vc não as imaginaria pulando e brincando sob, sei lá, um arco-íris?!? Quem não quer comer um ovo desses??
Outra coisa que achei muito legal conhecer foi a alfarroba, mas tive que pesquisar no google sobre a sua existência, nunca tinha ouvido falar (eu tentei interagir com uma atendente, porque eu tava muito empolgada, querendo conhecer as coisas e inventar na minha cozinha, mas ela teve paciência igual ou menor que zero). Esse treco substitui o cacau, gent!  Mas cacau, fica frio, pra sempre vou te amar.

Conheci ainda a farinha de banana verde, a farinha de beterraba, diversos tipos de leite (inclusive o de amêndoas, sem ser o Davene), conheci maquiagem feita de produto orgânico, papinhas orgânicas, cucas integrais, pães com sementes de nomes variados, queijos. Tudo muito interessante, me senti feliz de ter acesso a itens distintos. Mas não tive como não refletir sobre o que está acontecendo com a gente quando falamos de alimentação x saúde. Não tive como não pensar no exagero, na ditadura fit. Não tive como não pensar em como perdemos o equilíbrio facilmente. Em como seguimos tendências (e blogueiras). Pensei no quanto comemos errado, no quanto descuidamos da saúde, no quanto favorecemos doenças. No quanto não sabemos o que contém aquilo que consumimos.

Tive vontade de chorar, especialmente quando veio o doce que pedi (eles tem um café) - chantilly feito com leite de amêndoas, massa crocante de alguma fibra legal e morangos orgânicos (era um pouco sem gosto pra uma alma gorda acostumada com puro açúcar e gordura). Hoje entendo porquê quis chorar, não foi o doce. De repente me vi no meio de um mundo desconhecido, me perguntando o que eu queria, o que eu estava fazendo ali, onde estava meu cachorro quente. Capisce?

Mudar é difícil!



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Mudança com gatos - de volta à Florianópolis!



Hoje conto como foi trazer os gatos de volta à Florianópolis, depois de 1 ano e 8 meses em SP! 

Pela exclamação da primeira frase, fiquem à vontade pra perceber que o retorno foi bem melhor que a ida (contei os percalços nesse link aqui) ;) 



A preparação



Exatamente como da primeira vez, deixei as caixas de transporte na sala, abertas à visitação (heheh) para que se tornassem refúgio, identidade num ambiente hostil (o carro, nesse caso). O que fiz de diferente dessa vez foi forrá-las com o tapete higiênico e servir a comida dentro delas. Desse modo, as caixas ganharam o cheirinho deles, porque acabavam dormindo nos tapetes macios e criou-se um bom vínculo de prazer através da comida :-) Nos primeiros dias eu servia comida somente nas caixas, mas com gato isso não funciona bem. Mudar os hábitos alimentares repentinamente os fez não quererem comer... Depois que deixei ração à vontade, tanto no pote "oficial" quanto nas pequenas porções dentro das caixas, meus gatos acharam super legal ter um lugar diferente pra comer. O primeiro maior pânico que eles tem com relação a essas caixas é o de estarem trancados nelas. Pra amenizar isso, à medida que iam ganhando confiança em adentrá-las pra comer, eu comecei a fechar as portas. O Raul foi o único dos 4 gatos que não deu a menor importância pra porta fechada. Nikko e Lilica apresentaram desconforto imediato (hoiuaoiea) e a Minnie tentava não ficar nervosa, mas a comida foi menos importante que a porta fechada.

No primeiro dia, Raul nem entrou. Só ficou comandando geral!


A Gi é uma girafinha de pelúcia que o Raul gosta muito, mas acabei substituindo-a por um cobertorzinho, pq sempre que ele tem medo, se esconde sob o edredom ou cobertor.

Minnie já um pouco tensa nos treinos com a porta fechada.

Outra coisa que fiz, mas que não foi novidade, foi borrifar Feliway (hormônio sintético) a cada 3 dias dias +/- no interior das caixas de transporte. 


Toda a preparação durou 14 dias e, diferente da outra vez, considerei um sucesso. Mais tarde explico porquê, mas tanto eu quanto o marido entendemos que foi fundamental esse treino todo.

O dia da viagem

Nada como adquirir experiência. Na ida a SP tentei não usar o tranquilizante, mas para a volta já sabia que não poderia sair de casa com os gatos acordados. Uns dias antes da viagem liguei para a clínica que eles frequentam aqui em Fpolis, expliquei que da primeira vez usei a dose mínima recomendada e que queria uma orientação de segurança pra poder aumentá-la.

Por volta de 1h antes de sairmos de casa, Acklei e eu administramos o tranquilizante com dose de 2 gotas por quilo (pesei meus gordinhos 2 dias antes), conforme a recomendação veterinária. Em 10 minutos o pessoal começou a ficar tontinho, em mais 20 minutos notamos que precisaríamos de uma dose maior, ou seja, a máxima (para Minnie e Raul usamos a submáxima). Feito isso, ninguém mais conseguia andar por conta própria, nem subir em nada... então colocamos nossos peludos nas caixas e partimos para o carro. Mas claro que nem tudo poderia ser assim lindo e fácil, principalmente porque tenho um amordaminhavida chamado Nikko.

- o Nikko

Ainda em casa, com a primeira administração do tranquilizante, Nikko começou a ficar irritado e muito, muito agitado. Miando pela casa inteira, tentando subir em tudo (e aqui está o perigo, podem se machucar feio, então cuidado!), muito indignado. Fiquei com ele o tempo todo enquanto o marido colocava tudo e todos no carro, tentando acalmar. Tava até achando engraçado, como se ele tivesse fazendo um dramalhão mexicano, bravo por terem deixado ele tonto. Mas depois descobrimos que não era drama... :-(

Na ida pra SP ele se machucou muito tentando fugir da caixa e não queríamos que isso se repetisse na volta, já que ele estava bem acordadinho e muito bravo. Complementamos a dose do tranquilizante para atingir o máximo e com isso, ele piorou. Eu nem consigo descrever o desespero do coitadinho (e também prefiro não fazê-lo, era triste de ver). Ele devia estar passando muito mal com a tontura, provavelmente bem enjoado, além de muito irritado. Tanto que não conseguimos deixá-lo na caixa de transporte, porque tentava sair a qualquer custo... Ele ia se machucar muito. Iniciamos a viagem com ele no meu colo. Os outros 3 estavam calminhos, cada um na sua caixinha.

No carro, tudo piorou. O tranquilizante tava a milhão e o estresse do bichinho também (mas eu fui muito mocinha, me mantive calma sempre), fiquei com medo de perder o meu grandão... Nikko não se acalmou, não se entregou e passou a me morder. E miar muito. E me morder muito. Daí lembrei que na ida ele picotou todo o tapete higiênico da sua caixa de transporte, então peguei um sobressalente e deixei-o atacar. Logo desisti, porque ele também estava se machucando  e fiquei com medo d'ele acabar engolindo algum pedaço.

Picotando o tapete higiênico

Temos certeza que o que aconteceu com o Nikko foi uma ação paradoxal da droga. Ao invés de gerar sonolência, diminuir a ansiedade e gerar relaxamento muscular, o tranquilizante fez exatamente o contrário. Nos tocamos disso depois, mas era tarde... nosso gorducho chegou a ganhar a dose máxima daquilo que o deixa extremamente ansioso e alerta. E se somar essa ação reversa ao medo de estar no carro, ao mal-estar do remédio (enjôo, tontura) e ao fato de não estar entendendo nada... Pobrezinho :-( A cena que mais lembro é dele com o rosto encostado no meu, miando-chorando, eu tentando acalmar, como um bebê.
Foram 2h de viagem assim. Usamos o Feliway algumas vezes, borrifando em mim, no banco do carro e no ambiente como um todo e a cada uso, uns minutinhos de calmaria. Na viagem de ida, até que não achei nada de mais. Na volta de SP, foi nosso bom aliado com o Nikko.

Com 2h de viagem, pegamos um congestionamento na Serra do Cafezal e foi aí, com o carro parado, que o Acklei sugeriu desmontarmos a caixa de transporte do Nikko e colocar só a parte de baixo no meu colo (porque achávamos que ele não iria aceitar ficar trancado). Quando ele viu essa parte da caixa no colo, se agarrou como um náufrago se agarraria nos destroços de um barco. Era a salvação dele. Juro que escutei ele dizer "caixa, eu te amo"! 

Nikko escondido embaixo da toalha, deitado na base se sua caixa de transporte

A partir daí ele foi se acalmando, colocamos a parte superior, depois a porta e por fim, colocamos ele no banco de trás, junto com os irmãos.

Bem mais calmo, com a parte superior da caixa já encaixada.

Um dos ratos de pelúcia acabou vindo na caixa do Nikko. Ele o segurou por um bom tempo!
Depois dessa reconciliação do Nikko com a caixa, entendemos que todo aquele treino funcionou. Ela realmente se tornou um refúgio, um abrigo conhecido, um oásis no deserto do paradoxo. Nossa viagem até Florianópolis levou 11 horas e, depois que o grandão se acalmou, foram as 9h de viagem mais tranquilas da minha vida.

Aqui todos em seus lugares, calmos e tranquilos. Estávamos há 7 horas na estrada no momento dessa foto.


Outras considerações

Fiz uma "mala" de viagem pra eles:

Coloquei um pote com um ração. Embora não seja recomendado alimentá-los antes do tranquilizante (porque dependendo do nível de sedação, podem vomitar, aspirar e morrer), depois é recomendado. A viagem era muuuuuuito longa e temíamos uma hipoglicemia. Então com umas 6 ou 7 horas de viagem ofereci, pela primeira vez, um pouco de ração. Bem pouquinho mesmo. Todos comeram;

Coloquei uma seringa, pra dar água. Mesma coisa da ração... além do medo da desidratação (isso foi a vet que falou já para a viagem de ida). Coloquei também um recipiente próprio pra viagem com água. Em algum momento, todos beberam água;

Coloquei tapetes higiênicos extras, porque é tipo fralda. Se fizer cocô/xixi, tem que trocar! (e fizeram);

Coloquei o tranquilizante, porque talvez fosse necessário readministrar. Mas não foi. Mesmo depois de tantas horas, todos continuaram super calmos, apesar de alertas;

Coloquei o Feliway;

Coloquei as carteiras de saúde.

"Mala" de viagem

E foi isso! Foi muito melhor dar o tranquilizante ainda em casa, foi ótimo educar com as caixas e melhor ainda é estar de volta! Estamos hospedados na casa dos meus pais e ficaremos até o final de fevereiro (marido fica em SP até essa data, junto com a mudança) e não poderia haver gatos mais felizes com o playground "do vovô e da vovó"! 

Felicidade de tomar água na torneira; Nikko

Lilica

Minnie

Raul



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Stony pass

Conheci o Acklei de uma maneira engraçadinha faz quase 6 anos e, desde a primeira vez em que conversamos pessoalmente, eu sabia que nos planos dele estava essa temporada em São Paulo. Quando nosso assunto particular começou a ficar mais sério, logo ele disse que só viria pra cá se eu também viesse. Antes disso acontecer, nos apaixonamos perdidamente, casamos, planejamos. Agora, 5 anos e meio depois, em São Paulo estamos. Prestes a ir embora, de volta à nossa querida Floripa. Quero contar um pouco mais do que foi tudo isso, do que foi viver uma experiência de residência médica que não era minha, mas que acabou sendo muito mais [minha] do que eu imaginei.

Começo dizendo que me sinto como um soldado sujo de lama, voltando do combate, bem pertinho do fim da guerra (é, eu sei... meio dramático, mas é verdade). Em 2011 aconteceram as provas de residência, em 2012 saíram os resultados e com eles nasceram novos sonhos e possibilidades. Expectativa a milhão e medo também. Sou (era?) bem matutinha no que se refere a grandes cidades e eu simplesmente morria de medo de SP. Perdia o sono de tanto ficar pensando em como faria para me virar aqui: "coooooooooomo, meodeos, que vou no mercado sozinha???"; "dirigir??? nemmmm pensar"; "vou passar 2 anos trancada em casa", etc, etc, etc! Quando o Acklei me sugeria pegar o metrô... eu não sabia se ria ou se chorava de desespero. Levei 1 semana pra sair a primeira vez na rua sozinha e foi pra ir ao supermercado (que fica a 300m de casa), com GPS (hehe) e sem maquiagem - esse detalhe é importante, porque nunca vou a lugar algum sem usar pelo menos corretivo e rímel. Fiquei apavorada porque todos os que vieram prestar serviço aqui em casa (nessa uma semana antes da minha estréia na rua sozinha) perguntaram se eu era de fora, porque eu tinha cara de alguém "de fora"e eunãoqueriatercaradealguémdeforasocorro! Então eu achei que sem maquiagem eu pareceria menos de fora. Tola. Contei tudo isso pra vocês poderem perceber que eu já estava sofrendo pelo desconhecido e pelo desconhecimento e pelo medo de estar num lugar de onde só se tinha notícias ruins. Então sair na rua era igual a ser assaltada/morta, na minha cabeça de matuta. Nessa mesma cabeça era como se eu não fosse mais livre. Some a esses fatos o de eu ter saído do meu trabalho de 7 anos e estar em casa o dia todo. Sim, adaptações.

E tivemos que nos adaptar. Às vezes aos trancos e barrancos, se é que me entendem. Decidimos, nós dois, que eu não trabalharia [fora - notem que essa palavra me acompanha] nesse período por Jampa (jungle + sampa). O Acklei não achava bom eu ficar pra cima e pra baixo sozinha nessa cidade e eu também não (hahahah). Consideramos custos de transporte e alimentação fora para dois, a contratação de alguém para cuidar da casa... Olhamos para os objetivos de estarmos aqui (estudarrrrrr e estudarrrrrrr) e meu cavaleiro do zodíaco amor decidiu que bancaria sozinho as despesas. Porque tínhamos nos preparado e porque ele achava que era o certo. Então eu virei uma espécie de desperate housewife. Meu foco era cuidar da casa, mas no início eu não soube dosar. Limpava tudo loucamente, cozinhava todo dia (to-do-di-a) - eu cozinhava muito pouco em Floripa, aliás, aprendi a cozinhar bem aqui. Comecei a gostar da vida em casa, chegando a considerar nem sair mais dela. Isso não seria um problema se aquela pessoa fosse eu mesma, de verdade. Mas não era. Demorei um pouquinho, mas entendi que aquela minha versão era necessária para o momento. Fazia parte da minha adaptação, fazia parte do cuidar ao qual me propus (nos propusemos), era minha nova atividade. Nova e temporária. Mas houve momentos difíceis.

Em contrapartida, Acklei estava entrando num barco de desgaste. Acordando todos os dias às 5 da manhã, sem horário pra chegar em casa (às vezes cedo, às vezes tarde). Fazendo plantões extras pra poder pagar as contas (você choraria se eu contasse quanto é uma bolsa de residência). Tínhamos reservas, mas elas foram chegando ao fim. Então, a solução:  além dos compromissos da residência todos os dias, plantões extras quintas, sábados e domingos. Às vezes nas terças também. E às vezes nas sextas. Teve segundas algumas vezes também. Não mencionei ainda que, por não ter conseguido licença do Estado de SC, meu marido resolveu manter o vínculo do seu concurso público (pensando em coisas muito além, que se eu explicar esse texto não vai acabar nunca), indo a Florianópolis trabalhar a cada 15 dias nos finais de semana. O que eu vi? Um homem muito cansado, acabado. Mau humorado. O sono em pessoa. Desanimado. Também não falei sobre o doutorado, cujo projeto ele iniciou no meio de tudo isso, incentivado pelo chefe do serviço onde fez a residência. Suas palavras quanto a essa decisão foram "Líd, se eu até hoje precisei muito da tua colaboração... não sei nem o que te pedir agora. Mas é muito, muito importante pra mim" (eu sei que aí bem cabe um "nós"). E aí que além de trabalhar muito, ele também estudava muito, todos os dias. Por causa do doutorado e por causa da residência. E houve momentos difíceis.

Decidi várias vezes, então, que iria trabalhar fora, que iria abandonar o combinado. Que eu não poderia mais ficar em casa, que eu tinha que ajudar financeiramente - essa parte é a mais difícil. O ego e o orgulho começam a conversar... Poucas não foram as discussões sobre o assunto, mas a imagem que sempre fiz ao final de cada uma delas é mais ou menos assim: eu em pé, uma porta aberta reluzente diante de mim; seguro uma trouxinha (de orgulho) e olho para trás, onde estão o Acklei, a casa, os gatos. E então desisto. Porque se já era difícil comigo em casa, nem quero imaginar se eu não estivesse. Afinal, eu já tinha aprendido que eu era um pilar e o Acklei outro. Nada nunca vai ser mais importante que minha família.

Então eu tava em casa sempre e o Acklei quase nunca. Sorte a minha que sou muito boa com solidão e aprecio minha própria companhia. Isso, lógico, não quer dizer que não sentia falta do meu marido e dos dias quando nossa vida era... normal. Apenas me conformei; isso tinha data pra acabar (e acabou)! Não posso deixar de falar do esforço quase sobrenatural [dele] em me dedicar atenção nos seus curtos períodos livres, em sacudir a poeira e me levar pra jantar, ou ao cinema, ou dar uma volta por onde eu quisesse. Fosses um herói, babe. Gosto de lembrar que transformamos toda pizza em eventos importantes, todo sanduíche em celebração.

A essa altura eu já tinha perdido o medo de São Paulo, do metrô, das pessoas, de dirigir. Aos poucos fui abandonando o GPS e passei a usar maquiagem sempre. Comecei (e terminei) minha [segunda] pós-graduação, fiz amizades (além dos queridos conhecidos através da residência), fiz novos planos, fiz todos os cursos (na minha área profissional) que nosso planejamento permitiu. Mas as coisas continuavam difíceis... porque elas eram.

Agora estou a 11 dias de voltar para Floripa. Escrevi um texto porque essa cidade onde ainda moro mexeu profundamente no meu eu. Well, sei que não foi ela. Mas se mexe comigo, tenho que pôr pra fora, não é o que sempre disse a vida inteira? Sinto-me bem mais heroína que um big brother do Bial (só pra explicar: não acho nenhum bbbosta herói). Faço parte da mobília da minha casa, sei onde se encontram todos os pequenos papéis. Sei olhar pro meu marido e identificar em cada fio de cabelo branco (hihihi) o tamanho de seus esforços. Sei olhar pra mim mesma com respeito por tudo até aqui. Companheirismo, braço forte e compreensão não faltaram para dissipar os momentos difíceis. A residência [médica] foi mais minha do que poderia imaginar porque ela passou a fazer parte dos meus dias, invadindo minha casa, minha vida e levando meu marido, como uma amante atrevida. E não se tinha o que fazer. Stuck in a moment, you know? Na minha trouxinha agora trago minha casa e meu céu. O orgulho não me atormenta mais.

E suja de lama volto, feliz pelo bom combate.